31 de outubro de 2010

Rafael Tobias de Aguiar e a Ordem Franciscana Secular


Rafael Tobias de Aguiar nasceu em Sorocaba, interior de São Paulo, em 04 de outubro de 1794 e faleceu no Rio de Janeiro, aos 63 anos, em 07 de outubro de 1857.

Como um dos próceres do Partido Liberal, foi Presidente da Província de São Paulo, por duas vezes, de 1831 a 1835, e de 1840 a 1841. Exonerado neste segundo mandato, por oposição à política do então dominante Partido Conservador, liderou a Revolução Liberal paulista de 1842.

Malograda a revolta, apressou-se a oficiar seu casamento com Dona Domitila de Castro Canto e Melo, Marquesa de Santos, e, deixando-a em Sorocaba, empreendeu fuga para o Rio Grande do Sul, onde foi preso pela tropa imperial, comandada pelo Barão de Caxias, e removido para a fortaleza de Lage, no Rio de Janeiro.

Por meio de seu advogado, intentando liberar-se de juízo militar, argumentou que se considerava civil, pois, embora tivesse iniciado carreira em corpo da 2ª linha, em tenra idade, como cadete, em 1798, e alcançado o posto de Coronel comandante do 36° Batalhão de Milícias de Sorocaba, em 1829, tal corporação havia sido extinta por decreto da Regência em agosto de 1831. Obstada a defesa, foi anistiado, porém, em 1844. E em 1846, chegou a ser promovido, em liberal desagravo, por decreto do Império, ao posto de Brigadeiro, sendo imediatamente reformado neste posto, sem vencimento. Por isto, passou à história como "Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar".

Reconhecido como excelente e probo administrador, logrou sanear, em suas duas gestões, as finanças da Província, tendo mesmo recusado os proventos inerentes ao cargo de Presidente, antes suprindo, de seu próprio bolso, abastado e filantropo que era, as deficiências do Erário.

Notabilizou-se por memoráveis iniciativas, sobretudo na área da educação - seja promovendo o "Gabinete Topográfico", célula inicial da Escola Politécnica, seja interessando-se pela aculturação indígena; na urbanização - criou o Departamento de Obras Públicas, construiu e reformou estradas; no campo político - promoveu o municipalismo, instituindo cargos de prefeito e sub-prefeito nas cidades da Província.

No âmbito da Segurança Pública, em 15 de dezembro de 1831, em consecução à Lei da Regência que disciplinava a matéria, encaminhou ao Conselho de Governo da Província proposta de criação da Guarda Municipal Permanente, que veio a constituir-se, com evolução e alterações posteriores, na atual Polícia Militar do Estado de São Paulo - pela qual, por esse ato governamental, é considerado Fundador e Patrono.


Carreira na Ordem Franciscana Secular

Religioso desde menino, Rafael Tobias de Aguiar estudou em Sorocaba com os beneditinos.

Em 1834, exercendo a Presidência da Província, tornou-se membro da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência da Cidade de São Paulo, Ordem secular, fundada em 1221, por São Francisco de Assis, presente em São Paulo desde 1642, reconhecida pela Santa Sé e pelo Governo regalista, na qual congregaram ilustres nomes da história paulista, de bandeirantes a autoridades da Colônia e nobres titulares do Império.

Lê-se, às fls. 48, do Livro n° 4, dos "Termos de Profissão", que abrange o período de 06 de fevereiro de 1815 a 09 de outubro de 1857, o "Termo de Entrada e Profissão do Ilmo. Exmo. Snr. Rafael Tobias d'Aguiar, Presidente desta Província":
"Aos sete de Abril de mil oitocentos e trinta e quatro annos, pelas cinco horas da tarde com grande Concurso e prazer dos Veneráveis Irmaons Entrou e Professou nesta Ordem 3ª da Penitência Instituida pelo N.S.P.S.Francisco o Ilmº Exmº. Snr. Presid. Rafael Tobias d'Aguiar, prestando os Votos de costume nas maons do N.M.R.P.Me. Comº.Vizitador Antonio do Menino Jesus Campos em presença do nosso Carissimo P. Ministro o Exmº. e Revmº. Snr. Bispo Diocesano D. Manoel Joaquim Glves de Andrade, o nosso Carissimo Snr. Bispo Eleito do Rio de Janeiro, o Emº. Snr. Antonio Maria de Moura, Irmaons Definidores e mais irmaons: e se obrigou a aceitar todos os Cargos a que fosse eleito, e também a conservar, cumprir e guardar as Leis, Estatutos, e Regra desta Nossa Ordem, jurando defender a puríssima e immaculada Conceição de Nossa Senhora. De que para constar fiz este Termo, que assignarão eu o Cônego Leão José de Sena - Secretário .......... Menino Jesus Campos, Comº. Vizor. ................... José Gomes de Almeida, Pró-Ministro .......................
Em 25 de setembro de 1845, foi eleito "Vice-Ministro". Em 16 de setembro de 1850, foi eleito "Ministro", re-eleito como "Ministro", aos 16 de setembro de 1851, re-eleito "Ministro" em 1852, novamente re-eleito "Ministro" em 1853, como consta às fls. 73v e 81ss, do "Livro de Eleições".

No "Livro de Actas" do período, encontram-se manifestações e assinaturas de Rafael Tobias de Aguiar, como "Ministro" da Ordem.

Morte e sepultamento no Jazigo da Ordem

Doente, em 1854, último ano de sua atuação como Ministro da Fraternidade, padecendo de insuficiência renal, dirigiu-se a Águas Virtuosas (atual Lambari, MG), para repouso e tratamento, onde em 1855 fez lavrar seu "Testamento".

Em 1857, embora convalescente apenas, assumiu uma cadeira de deputado na Corte. Encerrada a legislatura, retornou à Província, pelo vapor "Piratininga", acompanhado da esposa e filhos, já com a saúde bastante combalida. De tal modo, agravou-se seu estado com uma crise renal, que, apenas desembarcado em Santos, os familiares resolveram embarcá-lo de volta ao Rio, em busca de socorro médico. Ao adentrar à Baía da Guanabara, contudo, a 07 de outubro de 1857, faleceu.

Nos últimos momentos, reiterou seu apreço por São Paulo, e recomendou à esposa que os filhos cursassem Direito na Faculdade do Largo São Francisco - o que sucedeu. Narra ainda seu biógrafo, Coronel da PM Arrison de Souza Ferraz, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, em cuidadosa obra historiográfica, prefaciada e elogiada pelo eminente Prof. Tito Lívio Ferreira, e publicada pela própria Intendência da Polícia Militar do Estado de São Paulo, em 1973, que o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar "por fim, já se expressando com dificuldade, declarou a Dona Domitila que desejava ser sepultado em São Paulo, na capela da Igreja de São Francisco da Penitência" (Rafael Tobias de Aguiar, pg. 136 - grifo nosso).

E, de fato, a última vontade do Brigadeiro foi satisfeita. O corpo embalsamado de Rafael Tobias de Aguiar, trazido, por terra, por seus familiares, do Rio para São Paulo, foi sepultado, a 25 de outubro de 1857, na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, de que fora membro e dirigente, com grande cerimonia e comoção popular, desatendendo talvez a modéstia do querido paulista que aspirava um sóbrio funeral, mas levando a cabo religiosamente o cumprimento do seu pedido expresso no "Testamento" de que fosse sepultado como "bom católico".

Desde então, descansa, intacto, o corpo de Rafael Tobias de Aguiar, no Jazigo da Igreja do Seráfico Pai - esse panteon histórico paulista, gozando da sepultura católica que em seu "Testamento" pediu, e tendo atendido o desejo que em seus últimos momentos expressara à esposa. E ali permanece desde então à espera da Ressurreição, seja em meio de seus Irmãos da Ordem, que o precederam; seja dos que, vivo, conheceu; seja dos que, pósteros, o acompanham ainda hoje - e o acompanharão no futuro - com suas preces, no mesmo testemunho continuado de vida franciscana.

Jaz Rafael Tobias de Aguiar na impressiva quadra do Largo São Francisco, que, avizinhando o Direito e a Fé, constitui, por si, eloquente monumento da tradição histórica paulista.

E ele próprio, Rafael Tobias de Aguiar, que conjugou em sua vida, de modo feliz, o militar, o político e o religioso, permanece como um lídimo representante desses filhos de São Francisco, que juntamente com os filhos de Santo Inácio, tudo porfiaram pela grandeza de São Paulo.

As rotas de São Paulo e do Brasil, como tão bem salienta o Coronel da PM Arrison de Souza Ferraz, "são as da civilização cristã" (op. cit. pg. 220).

Mesmo a pretexto de homenageá-lo, não se há de afastar Rafael Tobias de Aguiar da rota que ele publicamente se impôs "conservar, cumprir e guardar", naquela memorável tarde de 07 de abril de 1834, quando professou na Ordem Franciscana.

A rota de Rafael Tobias de Aguiar foi a rota das virtudes cristãs, da fé, da esperança e da caridade, segundo o exemplo de São Francisco de Assis. Rota fundamental, à qual todas as outras rotas humanas devem continuamente retornar para corrigir desvios e recuperar a dedicação aos valores da vida, da verdade e do bem.

Há sempre uma tentação que nos ronda, ostensiva ou solerte, que pretende distanciar do Civismo os ideais da Fé, e trocar a base vertical religiosa da nacionalidade por um secularismo horizontal . Contra tal intento, vale a severa, mas previdente, advertência do Coronel da PM Arrison de Souza Ferraz: "Seria o mesmo que trocar as claridades solares pelos antros escuros da criminalidade, o mesmo que trocar a planície pelo pântano" (op,cit, pg. 220).

De seu jazigo, na tradicional Igreja franciscana, refulge ainda no Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar a verdadeira vocação patriótica, a preclara estrela que alumia a sagrada rota dos destinos da nacionalidade.

Trocar, restringir, obscurecer, alterar as tradicionais rotas da História do Brasil e de São Paulo, nunca!

Desarraigar o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, da rota da Fé franciscana e cristã, que, como membro e Ministro da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência da Cidade de São Paulo, lhe norteou a vida, e à qual mais se apegou às portas da eternidade, jamais!


Por Edmilson Soares dos Anjos, OFS
(conselheiro da fraternidade OFS das Chagas)

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