E depois que o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrou o que eu devia fazer, mas o Altíssimo mesmo me revelou que eu devia viver segundo a forma do Santo Evangelho (Testamento 14).
Sim, Francesco, o filho de Pietro Bernadorne, queria viver evangelicamente. Nada mais, nada menos. Uma vez mais chega o mês de outubro e diante de nossos olhos se desenha a figura desse Francesco, filho de Pietro Bernardone. O que foi acontecendo com esse filho de Pietro Bernardone? Celebramos a 4 de outubro o dia desse Francesco que invadiu nossa vida com alegria e vigor: seu trânsito glorioso, a missa solene, a bênção dos animais e as exortações sobre a preservação do meio ambiente, desta casa de todos nós que anda seriamente em perigo. Mas, sobretudo, alguém que, nos anos verdes de nossa vida, nos fascinou. Alguma coisa precisa permanecer em nós depois de passados os festejos de outubro. O espírito de Francisco não morre. Não queremos ser coniventes com uma mentalidade que transforma Francisco apenas em alguma coisa adocicada e folclórica: passarinhos, água caindo em cascata, capuz na cabeça, um frade rolando pela neve e pronto. Nesta reflexão, feita no momento em que estamos entrando em outubro, queremos simplesmente lembrar três ou quatro coisas que marcaram a trajetória do filho de Pietro Bernadone. Ele continua vivendo entre nós através de seu espírito e de seus inumeráveis discípulos que costumam ser simplesmente designados de franciscanos. Qualquer coisa nos diz que, com modéstia e simplicidade, somos convidados a conservar viva a memória do Evangelho através de nossa presença e de nossa palavra de frades menores. Esta a razão de ser do movimento franciscano no mundo e na Igreja.
“Francisco de Assis não foi de início um modelo de doçura. Suas ambições o haviam atirado à guerra: a guerra voluntária como caminho para a glória. Mas ele encontrou Cristo e, finalmente, se o universo se transfigurou aos seus olhos, foi porque seu coração se abriu à grande doçura de Deus. Francisco soube domesticar sua própria agressividade. Converteu o lobo, aquele lobo que não vive apenas nas florestas, mas que se oculta em cada um de nós. E o lobo feroz se tornou fraternal. Aquela força de combate e de crueldade metamorfoseou-se numa energia de amor, numa força criadora de comunhão entre os seres” (E. Leclerc. O sol nasce em Assis, Vozes, p. 95). Francisco tem a doçura de Deus.
Francisco é alguém que leva a sério o Evangelho. Se pudéssemos resumir numa palavra a vida desse Francesco, talvez fosse suficiente dizer isto: que ele é alguém que leva a sério o Evangelho. Pode-se mesmo dizer que se tornou um Evangelho vivo, boa nova viva com seus posicionamentos e suas atitudes. Reescreveu o Evangelho em sua carne. No fim de sua vida tinha no corpo as chagas doídas e gloriosas do Cristo Jesus. Numa época como a nossa em que a fé talvez se tenha tornado muito fragilizada, em que a pastoral parece ter perdido seu fogo e se revestido de burocracia, esse Francesco d’Assisi se nos apresenta como aquele que quer tão somente o Evangelho. O Evangelho para ele, no entanto, não é um texto morto, mas Alguém, esse Jesus, que salta das páginas escritas e inflama o coração. Por isso não se pode fazer glosas ao Evangelho.
Tem-se a impressão que, nos albores de sua vocação, Francisco andava literalmente à procura de um tesouro. Ele sente um apelo para fugir de toda mediocridade. Gosto da maneira como Michel Hubaut fala do encontro de Francisco com o Evangelho: “O evangelho feriu a Francisco como o bisturi do cirurgião. A tranquila homilia que atormentava a assembleia dominical se converteu para ele num evangelho de fogo. A fé é o contrário do medo. E com isso Francisco queria arriscar tudo: renunciar ao desejo de manipular ou manejar sua vida, os dons que havia recebido e entrar no projeto de Deus a seu respeito. Aposta na fé. Não se pode compreender nada de Francisco se não entendermos sua conversão como o desejo do homem que se abre ao desejo de Deus (cf. El camino franciscano, Verbo Divino [Navarra] 1984, p. 19). Mais ainda: “Na vida de Francisco, Deus não tem um espaço reservado apenas no culto semanal. Invadiu todo o seu espaço e seu tempo de homem. E isso significa crer. Francisco voltará sempre a esta convicção: guardar a fé. Buscar Deus em todas as partes. Sabe ele muito bem como as coisas, em nosso interior e ao nosso redor, constituem um obstáculo para essa presença. Crer é fazer cair incontáveis barreiras, não poucas vendas dos olhos para que atrevamo-nos a colocar um ato de confiança que nos oriente incondicionalmente a uma chamada que vem de outro lugar” (p. 19-20). Penso que a força da frase precedente está na resposta incondicional. Esta a base do chamamento de Francisco. Este o fundamento do viver dos franciscanos: agarrar o projeto do Evangelho e acreditar num amanhã que será rasgado para nós e nossa fraternidade. Quando nossos frades fazem sua profissão solene estão dizendo: “Tu estás comigo. Meu futuro não é meu futuro. Mas o futuro que tu me mostras. Dá-me a singeleza de uma criança e que eu não largue minha mão de Tua mão. Dá-me viver minha promessa na casa de irmãos transparentes”. Que futuro o Senhor está mostrando aos frades da Imaculada?
Por Frei Almir Guimarães, OFM
Fonte: http://www.franciscanos.org.br/
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